Poesias

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Sou a Pedra redonda
Zoiúda
Que vigia sem parar os arredores.


Sou o Pico do Itambé
Encoberto de nuvens
Que se esgarçam ao primeiro sol.


Sou a Serra do Cipó
De sinuosas curvas
Perdidas entre nós
Cegos e
Vendados mistérios


Sou a Lapa da Boa Vista
Que soluça lágrima seca
Em tardes mornas de sol.


Sou o condado virgem
No recato de seus medos.


Sou o Quatro vinténs
Que corre para o Lucas
Em curso lento e choroso.


Sou o Morro Centenário
Que deita a cabeça no colo de Deus
Pedindo um cafuné
Na rara cabeleira.


Sou os veeiros depauperados
De outras riquezas encobertas.


Sou a Fonte do Vigário
Gotejando esquecida
Pelos cantos do Chaveco


Sou o coreto em destroços
Sufocando a sinfonia da vida.


Sou o palco do mundo
À espera da melhor peça.


Sou as ruas de Baixo e de Cima
E os becos sem saída.


Sou a Ladeira do Pelourinho
Batizada pelo grito escravo
Que retumba na senzala do tempo.


Sou o Paredão da Matriz
Na contenção da encosta
Da fé primeira.


Sou a palmeira gigante e altiva
Que ameaça o céu
Sem fazer requebros
Quase inerte sobre raízes profundas.


Sou o casario de linhagem nobre
Contrariando a lei da gravidade.


Sou o cargueirinho alienado
Que desce a rua
Atravessa a festa
O discurso
E estruma no chão
Em pose para a posteridade.


Sou a Capela de São Miguel
Que badala a morte
Ao dar sinal de vida.


Sou o prédio da Cadeia
E o pensamento livre
Que escapole inteiro
Ou em fragmentos
Pelas grades
E vai sem peia.


Sou Igreja Santa Rita
Em esplêndida janela
Espiando da colina
A cidade baixa
Ressuscitar das brumas.


Sou a gente
Que pede licença
Para pisar este chão
Para respirar estes ares
Para poetar sob este céu.


De onde vim
Só pra ser uma flor exótica
Entre rochas e colinas
Da minha terra.

Alto
Chamas
Cenas
De
Luz
Arauto
Do alto
Acenas
Chamas
Rasgando essas trevas
Espalhando o sopro
Por tua criação

Emergente
Emerge
Entre
De mim
Emergente
Menos ente
Mais gente
Emerge

Fulgente
‘’ Full’’...
Da Mortalha de um tempo
Do assombro do vazio
Nova face
Nova mulher
Na aventura do recomeço
Mias gente
Só.

De
Vagar
Cansado
Passo a passo
Lenta
Mente...
Com
Passadas
Toadas
Do Caminhar...

Eu
Ca
Li
Pito
Cheira
Bom
Quase
Bálsamo
De mim.

Sensual
Sem
Idade
Sensualidade
Não
Caduca.

Serro
Com Frio
De alma acalorada
Com Sol
E de sombra remansosa
Serro
Com chuva
E de sombra remansosa
Serro
Com chuva
E de ribeiros secos
Serro
Sem erro
Concerto de Minas
Velho Serro
Sem idade
Que teus serros
Vigiarão por nós
Serro
Com teus morros calvos
Sem tua farta cabeleira
De fala eloqüente
E memória silenciosa
Sem o tumulto do progresso

SIMBIOSE DAS FACES: ORAÇÃO AOS FORMANDOS

Maria Coeli Simões Pires Secretária de Estado de Casa Civil e de Relações Institucionais

1 A ponte para a oração: Serro e Ser-tão

Meio forasteira e ao aparente acaso, aqui compareço como patrona das turmas de 2011, nesta solenidade de outorga de grau, aquiescendo ao generoso convite do Magnífico Reitor da Unimontes, Professor Doutor João Canela. A ele, a gratidão sincera, extensiva à alta direção, aos docentes e ao corpo administrativo da Universidade, pelo privilégio de vivenciar este momento mágico.

Saúdo os alunos nas pessoas do Universitário Luiz Felipe Costa, atual presidente do Diretório Central de Estudantes “Cyro dos Anjos”, e do presidente eleito, o acadêmico de Direito Vlader Teixeira.

Ponho-me, entao, a meditar sobre as razões que constroem esta cena.

Os afilhados, sobretudo, hão de indagar: “Ora, quem sois?…”.

Quem sou, de onde venho, por que estou aqui? Vivo a ausculta de mim mesma. E palavras hão de me socorrer diante das interrogativas. Recorro aos poetas. De Fernando Pessoa, colho fragmentos que me instigam a decifrar a mente e a erguer ponte de travessia para a oração:

Que coisa distante Está perto de mim Que brisa fragrante Me vem neste instante De ignoto jardim

O Serro está perto de mim e, nesta terra irmã, lembra-me de que estou em casa, sulcando a seiva da vida pela trama das mesmas raízes.1

1 PESSOA, Fernando. Poesia 1931–1935 e não datada. São Paulo: Companhia das Letras, 2009. p. 197.

1

Sim, estou em casa, não sei se no Arraial das Lavras Velhas ou no Arraial de Formigas, se na Vila do Príncipe ou na Vila de Montes Claros; se diante do Pico do Itambé ou dos Montes de Calcário; se me matriculo no Grupo Escolar João Pinheiro ou no Gonçalves Chaves; se reverencio o centenário Colégio Nossa Senhora da Conceição de Serro ou a Escola Normal da antiga Rua Direta desta cidade; se fito a Igrejinha da Santa Rita da colina do Ivituruy ou a capela de Santa Cruz do Morrinho, da fé de Germana de Olinda; se contraceno no anfiteatro da escadaria do Carmo de Serro ou nos palcos do Cine Teatro Renascença em peças rivais; se leio o pioneiro Correio do Norte, de Velloso, ou o Sentinela do Serro, de Ottoni; se falo dos Anais e Tapuias caçados por Antônio Figueira e Matias Cardoso ou se marco encontro com os Botocudos dos ventos gelados; não sei se procuro os registros provinciais de São Gonçalo do Brejo das Almas, de cá, ou de São Gonçalo do Rio das Pedras, de lá; se saúdo as Minas ou os Gerais ou se entoo hino a Minas Gerais.

Hino não trago. Só ouçam minha toada, “que sou romeiro de longe. Não posso vir todo dia”.2 Não trago viola, nem pandeiro; não trago caixa, nem balaio de terreiro; apenas a rabeca e a minha canção, com licença do Mestre Coco do Riachão.

Lembro a folia de Reis daqui e de lá; o sagrado e o profano amasiados, com os farranchos e ternos, os cantos e lundus.

Meio confusa, traço o desenho da minha ambiguidade: do Serro e do Sertão e lembro a intrigante estrofe de Pessoa:

O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente.

Poeta não sou. Deveras sinto

“Ser depositário(a) de mim mesmo(a) (…).

Sofro e perduro no tempo o amor”, como ensina o poeta de Itabira.

Deveras sinto derramar de emoção.

2 Bendito dos Romeiros da Lapa.

2

E penso alto com Pessoa:

“Quem dita o que eu medito Sem me ouvir meditar?

(…) □

E, alheios, não erramos”.3

Quase alheia de mim, não erro: aqui estou atrás do meu sertão!

2 Ser-tão universal: vocação para transcender

Neste meu sertão,

Meu sertão mineiro, Todo mundo sente Que é brasileiro…

Muitas e muitos de vocês já ouviram, nas vozes afinadas de um João Chaves ou de um Nivaldo Maciel, essa bela cantiga encantadora, de Dulce Sarmento.

Eis que este “sertão”, ser de tanta natureza, como diria o verbo telúrico e transumano de Guimarães Rosa, por artes e magias do tempo, torna-se território universal.

Já disse o gênio iluminado de Tristão de Athayde, que “nada existe mais universal que o regional.” Nessa linha, Kant pôde fazer razão pura e construir o idealismo transcendental sem sair do chão natal.

Montes Claros sempre tem vocação para transcender os Montes, com a Escola Lorenzo Fernandez, com as serestas, com seus trovadores, poetas e escritores, do gênio criador de Darcy Ribeiro ao verbo amistoso e nacional de Cyro dos Anjos; com sua produção cultural e artística que vai de Yara Tupynambá – e de todos os Tupynambás – ao Mestre Zanza e catopês; de um Fialho Pacheco ao seu discípulo Paulo Narciso; da gênese de um Hermes à consagração de um Luiz de Paula; das Pastorinhas anônimas e da expressão cultural de Raquel Crusoé à de um Tião Carreiro, que daqui extraiu inspiração para compor com Pardinho – esta Montes Claros se universalizou no caldeamento do mundo.

3 PESSOA, Fernando. 2009, p. 196.

3

2.1 Montes-clarenses gigantes

São tantas as figuras humanas gigantes deste sertão, mas palavras e tempo não há para reverenciá-las a todas. É preciso fazer, contudo, detença diante de dois cidadãos do mundo: Darcy Ribeiro e Yara Tupynambá.

2.2 A mineiridade berçada para o Universo

Helena Bomeny explica o mistério Darcy Ribeiro “conjugação astrológica e carnal” que (…) gerou uma paixão. Ele era paixão e dela se alimentava: “O otimismo vinha da paixão, a melancolia e a solidão, também. A indignação era temperada de paixão.” 4

Filho da luz benfeitora de Mestre Fininha, Trigêmeo da Semana da Arte Moderna e do Partido Comunista e embalado nas caravanas de educadores e cientistas, Darcy teve no ambiente das utopias de esquerda os ares que o envolveram vida afora.

Pela verve da antropologia, Ribeiro fez-se apóstolo da fé nos indivíduos. “ ́A força está nos comuns’, apostou com a tenacidade dos apaixonados, mas vislumbrava a utopia de uma sociedade igualitária”.

Misturava utopias socialistas com autonomia individual no desajeito por ele próprio batizado como socialismo moreno – para expressar “combinação que não caberia nas ortodoxias”, e que desafia o discurso político.

Darcy é lição que não caduca, é entusiasmo que não se apaga, é o paradoxo do ser-tão mineiro.

Montes Claros berçou, também, para o Universo, Yara Tupynambá, que já nasceu encantada com as cores do arco-íris, que refletidas na alma da menina, fizeram dela, pelas mãos de Guignard, a artista plástica de policromia instigante. Yara, não, Estrela que, desde sempre, corta salões de arte; ilumina museus e prestigiadas galerias do Brasil e do mundo.5

4 BOMENY, Helena. (Edição da autora, no prelo). Belo Horizonte, 2011.

5 COUTO, Ozório e TUPYNAMBÁ, Yara. A mesa de Carlos Drummond de Andrade. Belo Horizonte: ADI Edições, 2011.

4

Yara está, sobretudo, nos painéis e murais do cotidiano, em contracena da alma mineira desses Montes e deste Sertão com o ser universal.

3 Identidade: patrona e Norte de Minas – a simbiose das faces

Queridas afilhadas e caros afilhados, sob a tenda protetora desta instituição e testemunho da comunidade, meu rosto agora se lhes revela na relação de afeto e de confiança que deve vincular patrona e formandos.

Como se escutasse, em surdina, os acordes daquela seresta secular do “zum… zum… zum…”, cantiga tão norte-nordestina no sentimento de geral mineiridade, desde que Vila de Formiga ficava sob as instâncias do meu Serro Frio natal, passando por Diamantina, fazendo ponte humana entre as Minas e os Gerais do legítimo direito catrumano… Direito herdado e abençoado por aquela primeira cruz da fé que se ergueu no território dos Gerais, berço do Estado que nos abriga.

Ainda hoje a geografia de Minas faz deste chão – ao qual me ligo por “herança de jurisdição” da antiga Comarca do Serro Frio – mapa de convergência da cultura de grande parte do Brasil.

Retomemos, pois, o “zum… zum… zum…” da história, evocativo de duas letras do alfabeto – JK –, o “zum …zum…zum…” que, na voz de Nivaldo Maciel, nos indaga em interrogativa aberta: “Quem não gosta de Montes Claros, de onde gostará?…”

Recordo agora os anos 70. Laços afetivos me ligavam aos Dias, de Francisco Sá. Numa toponímia tresandada, Manuel Bandeira lembra-me Brejo das Almas, com o Sapo-boi:

–“Meu pai foi à guerra!”

– “Não foi!” – “Foi!” –“ Não foi!”.6

Eu era Oficial de Gabinete do então Presidente da Assembleia, Antônio Dias. A Casa Legislativa era portal aberto ao Norte. Rememoro fisionomias de ilustres e deslembrados.

6 BANDEIRA, Manuel. 50 poemas escolhidos pelo autor. “Os Sapos”. São Paulo: Cosac Naify, 2006.

5

E o tempo segue.

Recordo, agora, o ano de 1989. Corria a IV Constituinte Mineira. Era eu a Secretária-Geral da Mesa da Assembleia, Coordenadora Técnica Geral do Processo Constituinte, colega acadêmica de mestrado do hoje Governador Antonio Anastasia, que também colaborava, em plena mocidade, na elaboração da Constituição do Estado. Dividíamos responsabilidade com o corpo de assessoramento institucional, com o Relator da Constituinte, Deputado Bonifácio Mourão, e os parlamentares constituintes, sob a Presidência do Deputado Kemil Kumaira.

Às nossas mãos chegou a emenda de autoria do constituinte Milton Cruz, com a chancela da bancada norte-mineira: Deputados Adelino Pereira Dias, Carlos Pereira, Cleuber Carneiro, Péricles Ferreira e Wanderley Ávila.

Nos bastidores e na linha de frente, unimo-nos todos àquela causa, capitaneada institucionalmente pelo então Reitor da Fundação Norte-Mineira, o Professor José Geraldo de Freitas Drummond, apoiado por uma comissão de Professores, sempre acompanhada pelo então Secretário-Geral da Fundação, o Professor Paulo César Gonçalves. Meus olhos resgatam as cenas daquele tempo… Ouço diálogos, argumentos, sigo articulações e comemoro, aqui, neste território sagrado da academia, o sucesso da iniciativa que resultou na estadualização da Universidade.

Nesse episódio precursor da criação da Unimontes, tenham vocês, pois, ainda que de soslaio, a face oficial deste rosto que agora pode fitar nos olhos de vocês.

Minha face quer ser também irmanada às fisionomias das mulheres das “Festas de Agosto”, que a cada ano cantam e dançam sua sorte e fortalecem as raízes da comunidade norte- mineira; aos rostos das mulheres que também dançam e cantam nas festas das “Pastorinhas”. Quer refletir as faces das mulheres lavadeiras nesses cursos d ́água que vão do Vieira ao Cedro, do Verde Grande ao Pacuí, do São Lamberto ao Riachão, que correm para abraçar o São Francisco.

Minha face quer lembrar o rosto cheio de enigmas das “carrancas” de embarcação, rio abaixo ou rio acima, desafiando os mistérios do Velho Chico, desde as nascentes na Serra da Canastra até seu desafogo nas águas do Atlântico.

6

Rosto meu quase gêmeo eu reconheço no semblante da Professora Rosário Porto, que destinou seu décimo terceiro salário para custear excursão de seus alunos de Montes Claros até Pirapora – para que vissem com seus próprios olhos as águas fundadoras dos caminhos de Minas Gerais, correndo no São Francisco.

4 Unimontes: vocação para o saber e o futuro – alimentada por muitos

Águas de integração nacional que inspiram a vocação da Unimontes para jorrar saber e conhecimento para as Minas, os Gerais e o Brasil.

O ex-reitor, humanista e Professor José Geraldo de Freitas Drummond já antevia:

A vocação natural da Unimontes é ser a Universidade de Integração Regional.

Fiel à vocação, à terra, às águas que fazem o cio da estação, aos valores que aqui palpitam, e às referências humanas deste sertão, aí está, fortemente regional e abertamente universal, a Unimontes, a lançar ao mundo colheitas de sua messe.

Ela cumpre a profecia, pisando firme o território do futuro, atenta ao apelo do Professor Paulo César Gonçalves de Almeida, um montes-clarense apaixonado por seu chão, que sempre divisou belos horizontes para esta Universidade. Quando Reitor, fez um repto à comunidade acadêmica na busca do futuro:

É preciso que cada um tenha o compromisso individual de construir a universidade (…) de sucesso nesta sociedade competitiva.

4.1 Homenagem aos ex-reitores, desbravadores do “ser-tão” do conhecimento

De frente para o futuro. O fragmento bem descreve o lugar da Unimontes nos seus 49 anos, desde a gestão pioneira do Professor João Valle Maurício, nos alvores da então Fundação, em janeiro de 1965, seguindo essa linhagem de educadores nas pessoas dos Reitores Fernando Dias Costa; Raimundo Deusdará; Raimundo Avelar; José Geraldo Drummond; Paulo César Gonçalves de Almeida. Homenageando ilustres ex-reitores que desbravaram caminhos e construíram o patamar de excelência da Unimontes, dou a palavra à veia poética do médico, homem de letras e de memória valente, o primeiro Reitor João Valle Maurício, nos versos de “Barro”:

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Eu queria ter mão imensa, imensa de força e de amor, mão mais forte ( com licença) do que a mão do Criador. Então, com esta mão, possuída de piedade

e de puro anseio-paz, apanharia a humanidade, carinhosamente,(…)

e a tornaria

barro novamente…

4.2 Unimontes: a continuidade transformadora

Da matéria energética do barro, aquecida pela poderosa chama imaterial do espírito humano, a continuidade transformadora – está-se tornando a principal marca da Unimontes.

A história dos reitorados, a cumplicidade dos atores que fazem a peça coletiva no palco ou nos bastidores da instituição, a reputação da Universidade e o peso de sua marca, que chancela passado, presente e futuro, seguem renovados e formam o patrimônio dos mineiros, ora sob responsabilidade do Magnífico Reitor João Canela, em compartilha com o corpo dirigente. Homens e mulheres à altura da missão que lhes cabe e que escrevem novos capítulos do ensino, da pesquisa e da extensão.

Dialética mutação que também tem o nome de solidariedade institucional, como na magnífica iniciativa de criação da Fundação de Ensino Superior do Norte de Minas – a Fadenor –, em 1996, hoje sob a competente administração do Professor Wilson Atair Ramos, com seus Conselhos Curador e Fiscal.

4.3 Tributo à Professora Yvone de Oliveira Silveira

A continuidade dá-se, também, pelo exemplo. E nada poderá encobrir um rosto que é símbolo para o magistério, com o qual gostaria de contracenar. Invoco a fisionomia solar da Professora Yvonne Silveira, defensora perpétua e autêntica patrona, desde sempre, da Unimontes. Aqui homenageio a trajetória iluminada de Dona Yvonne, com seu exemplo e legado, de bem-querença e de doação. Na reverência à Mestra, o preito ao corpo docente da Unimontes.

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4.4 Nas asas do tempo, um tributo à memória do Deputado Cícero Dumont pelo primeiro passo

Sob o signo da solidariedade criadora e da transformação em espiral, quero lembrar, nas asas do tempo, ao aproximar-se o “Jubileu de Ouro” da Unimontes, o autor do projeto que deu origem a Lei estadual que criou, em 1962, a Fundação Norte Mineira de Ensino Superior. Falo do saudoso Deputado Cícero Dumont. A justa homenagem ao homem público ético, ao constitucionalista emérito, ao professor de tantas Cátedras da Universidade Federal de Minas Gerais, gentleman de rara lhaneza no trato, político de escol e norte-mineiro de Bocaiúva.

Na referência à memória do Deputado Professor e jurisconsulto, o tributo a todos os parlamentares do Norte, de ontem e de hoje, que fizeram e fazem da região sua causa primeira e mais nobre. A todos o meu respeito!

Caras afilhadas e estimados afilhados, é tempo de recordar toda essa história, mesmo com lacunas certas, pois a névoa do tempo encobre muitas lembranças justas e devidas. Perdão pelas deslembranças!

5 A Universidade e a alquimia do conhecimento – lições da jornada

Quero evocar o rosto da jovem do Jequitinhonha que aprendeu, na estrada de terra – Serro – Diamantina, emoldurada pelo Itambé, no trajeto diário pelos caminhos das letras, a verdadeira lição de sua vida, colhida entre reflexões e cochilos na contradita do interior e as páginas dos manuais.

A lição, segundo a qual o saber não está nos livros, na academia, nos que ensinam; constitui missão a ser cumprida, como fim primeiro e último da existência humana que palpita e pulsa neste pequeno espaço da Via Láctea que envolve a humanidade.

Aquele rosto que fugia do sono para buscar a luz interior é o mesmo que aqui compartilha, com vocês, a conquista pessoal do saber, a alquimia da informação em conhecimento para a vida e do grau que ora os chancela para além dos umbrais da Universidade.

Aquele mundo que vivi, vocês também – sofrendo outros sacolejos, do corpo ou da alma – terão vivido tantas vezes e haverão de viver outras tantas. O mundo mudou, mas a essência humana que nos habita é a mesma que vibra e palpita dentro de nós a cada geração.

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O que conquistei, a duras penas, de lá para cá, tem a mesma dimensão, por analogia vital, do que conquistarão na sua jornada.

5.1 Sabedoria Universal e herança

Desafios estarão presentes, mas continuará inabalável a vocação de excelência desta Universidade, na certeza de que, no campo do conhecimento e do saber, não há lugar para dicotomias: o terreno comum é o da parceria, alimentada pela Sabedoria Universal.

Sabedoria da qual, todos nós – mulheres, homens e crianças; vegetais e animais, da vida que se concebe ao suspiro final; da semente que se lança ao chão às flores que se abrem; do voo do beija-flor, ao canto do galo anunciando a alvorada – somos descendentes e herdeiros.

5.2 A Árvore da Família Humana

É tempo de construir uma humanidade que reconheça essa ascendência que a preside.

Na aventura existencial, terrena e cósmica, entre a Via Láctea e o chão que pisamos, aprendemos que pertencemos todos à grande família humana.

A verdadeira ÁRVORE DA VIDA, na qual o rosto da patrona e as faces de todos os graduandos podem-se reconhecer e se abraçar!

6 Sem medo do futuro

Lição essencial dessa jornada é a de não temer o futuro. É o futuro que está presente no hoje desta formatura. Se o medo tivesse vencido, queridos afilhados, não estariam aqui agora. Em muitos momentos, seus corações foram assaltados pelo temor da derrota. Venceu a coragem, e o prêmio de hoje não é dado, mas conquistado.

O rosto da patrona traz, também, as marcas das incertezas que viveu, quando o horizonte sombrio parecia conspirar contra os ideais.

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Aprendizes da sabedoria ribeirinha, possam todos vocês conhecer os segredos dos caminhos, como o navegador que conhece, palmo a palmo, a lâmina d’água e se desvia das croas, dos bancos de areia que ameaçam a embarcação. Não tenham medo de assombrações do rio, mas estejam atentos ao apito dos vapores no cais da vida, de Pirapora a Juazeiro, ou em outros lugares, que eles ainda devem aguçar os ouvidos da gente das barrancas do São Francisco e da geografia dos Gerais.

6.1 O futuro e as potencialidades transformadoras da Unimontes

Amigas, amigos,

O futuro nunca está escrito, por mais que os pessimistas percam a confiança na capacidade do povo de construir sua história e de reinventar as instituições.

O futuro é escolha, e vocês terão papel importante no desenho e na construção do amanhã.

Recordo as palavras do Magnífico Reitor, Professor João Canela, ao tomar posse no reitorado: “Temos nas mãos esta joia de imensurável significado, de infinito potencial, que somente o talento, a criatividade e o trabalho sério de pessoas compromissadas poderão desvelar.”

Joia lapidada que irradia seu brilho como parceira e irmã da comunidade, selando o compromisso com a cidadania e a ética social.

Vibro com a revisão da linha do tempo da UNIMONTES, e, mais, com a antevisão dos tempos que virão. Nesta era global, a Unimontes percorre com desassombro a rota planetária da ciência e do saber.

6.2 Desafios da revolução tecnológica

Vivemos o tempo da revolução tecnológica.

Nunca antes se apresentou tão alucinante a crise das incertezas, com a automação, as parcerias robóticas, os chips para interligação com o universo e o futuro, em todas as frequências.

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Dizia Einstein que todo o progresso técnico deve objetivar “o homem e o seu destino, para que as criações da (…) inteligência possam ser bênção e nunca maldição para a humanidade.”

O desafio da ciência é superar o anacronismo e capturar a tecnologia em favor do homem.

Confesso: meus olhos se reconfortam – e se deslumbram, do mais puro alumbramento –, vendo a Unimontes cumprir não apenas a missão de integração regional, mas confraternizar- se com o mundo, intercambiando com instituições de ensino da América Latina e da Europa, a partir de Trás-os-Montes; irradiando saber musical, no Japão; disputando prêmios no mundo científico; desdobrando-se na Universidade Aberta e na Educação à Distância e recebendo encômios de instituições nacionais e estrangeiras. A Universidade tem explorado seu potencial e colocado a tecnologia a favor do homem e da transformação social.

7 Gratidão e bem-querença

Se não devemos ter medo do futuro, é hora de agradecer ao passado, na recordação de episódios, fatos e vivências que visitam a lembrança de vocês. Evocações que buscam unir os tempos de vida e marcam o rito de passagem.

Por isso, meu rosto agora é o mesmo de vocês, afilhadas e afilhados. Quem já se pôs diante dos marcos da encruzilhada, na vivência ou na lembrança de encontros e rupturas, dos dilemas com familiares de sangue ou afeto; quem contou com o apoio anônimo ou declarado de um anjo da caminhada bem compreende o que ensinou o gênio de Guimarães Rosa, dando voz a Riobaldo: “Digo: o real não está na saída nem na chegada: ele se dispõe para a gente é no meio da travessia”. E mais: “O que a vida quer da gente é coragem.”

Aos que estiveram no meio da travessia das vidas de vocês, a gratidão da madrinha.

É no meio da travessia que vivi na mocidade que registro o rosto que agora faço meu e que se põe como o da aliada, unindo, nesta hora, os tempos reais ou imaginários de nossas vidas, sob o signo da bem-querença e do afeto. Gustavo Capanema gravou esta lição: “Viver é a arte de criar afetos. O mais feliz dos homens é o que tiver sabido viver como mestre desta arte”. Sejamos mestres desta arte!

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8 Advertência e oração de compromisso

Queridos formandos, o título de patrona que me conferem impõe-me o encargo de trazer-lhes, como pretensa figura tutelar da unidade desse grupo seleto, não só o cenário que divisamos para a sua atuação, mas, sobretudo, o compromisso ético que devemos selar.

Não trago, pois, a mensagem madrinha, mas dialogicamente, advertência, corriqueira na missão de patronato, nesta solenidade que é de formatura, mas, também, de compostura.

8.1 O poder pessoal de mudança e a sabedoria da paz

Queridos afilhados, não quero jogar palavras ao vento, nem aprisioná-las nas suas mentes. Que elas possam despertar a consciência, na certeza de que “o saber não está na ciência alheia”, como nos ensina Rui Barbosa.

Esta é outra lição do tempo presente: a mudança começa aqui onde nós estamos e, mais perto ainda, ela começa e há de crescer dentro de nós mesmos!… É no mundo interior que está a chave secreta da mudança de que o mundo tanto precisa.

Nem sempre o homem de ciência é o mais legítimo para guiar a cruzada, mas o que estiver a serviço do bem e da paz. Por isso, o profissional deve usar o cinzel da sabedoria para lapidar arestas e superar agruras, e não para falsear a realidade pelo prazer enganador e beligerante.

É necessário que estejam preparados. Não apenas para armadilhas de concursos, para competir diante das bancas, mas para atitude e escolhas éticas para o empoderamento legítimo, para relações fraternas Aristóteles leciona que “a excelência (…) não é um feito, mas um hábito”. Por isso, é tarefa de todo dia.

Este mundo, em permanente metamorfose, carece de homens de paz em favor do humanismo e da construção de consensos.

Que vocês, ora graduados por esta respeitada instituição, inseridos socialmente pelo saber, possam, seguindo em frente, dignificar a profissão, superando o conformismo e a desesperança e contribuindo para o avanço da sociedade, do Estado e da cidadania, em um cenário de tolerância, diálogo e grandeza.

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8.2 Compromisso com a democracia e com a cidadania

Só o personalismo atávico e o narcisismo radical podem ignorar mudanças positivas da realidade pós 1988. Sonhos abençoados, construção de muitos fôlegos e de muitas mãos.

O Estado brasileiro, porém, ainda é prisioneiro tardio da onipotência dos impérios europeus, do autoritarismo anacrônico e da onisciência dos governantes.

A crítica não é ideológica; é alerta contra olhar ingênuo sobre a realidade e sobre os rumos da democracia.

Alerta contra manipulações e a pirotécnica da farsa do pluralismo.

Não ignoramos os avanços, mas só temos fé na salvação pela cidadania e num futuro que não é dado, mas conquistado. Duras são as empresas da vida!

E a democracia não carece de milagres e nem se sustenta com dogmas e valores sacralizados; mas pela emancipação da cidadania. Este há de ser o grande compromisso de vocês, eternos discípulos da existência.

9 Bodas da Unimontes – tributo e renovação de compromisso

Quase meio século depois do ato fundador da Unimontes, quero registrar a declaração da Vice-Reitora, a estimada Professora Ivete Almeida:

Temos que reverenciar os visionários que sonharam com a criação desta universidade em nossa região.

Sim! A Unimontes comprova que o sonho humano de busca do conhecimento, mais que fantasia ou quimera, é a via transformadora da vida e do mundo.

Meus olhos que leram, nas páginas da Constituinte Mineira, o sonho de estadualização da Universidade e puderam compreender a importância da iniciativa, para um futuro que parecia distante, podem hoje testemunhar este tempo.

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Com a mesma consciência política e cidadã com que me empenhei pela nobre causa nos idos de 1989, quero renovar o pacto de fidelidade com a Universidade.

Neste tempo em que se prenunciam as Bodas de Ouro da Unimontes, possamos renovar os compromissos com a Universidade e ser dignos do ideal dos que escreveram as primeiras páginas de sua história. Aos personagens de ontem e de hoje, o tributo pelo muito que fizeram.

Placa

10 Superação olímpica

Se comecei minha oração aos formandos com o cancioneiro do sertão, por que não encerrá- las com uma lição de Guimarães Rosa em veredas do mesmo sertão?

“Toda ação principia mesmo é por uma palavra pensada. Palavra pegante, dada ou guardada, que vai rompendo rumo”.

Seja a coragem a palavra pegante! Coragem que vai rompendo rumo, a propulsar a vida, pela missão cotidiana e pela utopia que faz caminhos. Coragem de acordar a cada amanhecer para a olímpica superação de cada dia.

Com a confissão de um último segredo, mostro-lhes o meu rosto por inteiro!…

Sou filha de Engenho da Serra

e dos currais de lá.

“Sou Caipira, Pirapora nossa…

Senhora de Aparecida,

Ilumina a mina escura e funda (As Minas e os Gerais, também!) O trem da minha vida.”7

E a vida de todos vocês que fazem a locomotiva vibrante da UNIMONTES! Este trem mineiro do futuro!

Muito obrigada!

Idealizado por Rafael Angeli
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